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O som inquietante do punk rock hardcore

31/08/2018

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Foto: Michelle Souza

  Nascido na periferia do Recife, o músico Cannibal driblou numerosas adversidades para produzir música inquietante e expor seus gritos de revolta diante dos problemas da comunidade. As letras da Devotos carregadas de manifesto, escritas por Cannibal, são reunidas no livro Música para o povo que não ouve que será lançado neste sábado (01) de Setembro, no Alto josé do pinho, a partir das 16:00h, com direito a show do grupo pós-lançamento.


   Encarando o espírito do punk rock hardcore para produzir música potente tendo o Bairro do Alto josé do pinho como inspiração, a banda Devotos, formada por Cannibal (Baixo e voz), o Neilton (guitarra) e o Celo Brown (Bateria), atualmente é uma das bandas mais importantes do gênero, que encontrou um significativo espaço no cenário da música local com o espírito punk do “faça você mesmo”, conquistando públicos diversos e consolidando seu pesado som.


  A devotos sempre apresentou temas sociais, como a paz, justiça e igualdade social, mas sofreram com a falta desses elementos, acabaram enfrentando a censura, repressão e preconceito por ser da comunidade, além dos preconceitos raciais. A banda demorou 9 anos para lançar seu primeiro álbum, mas hoje a trajetória é registrada em sete albúns e continua crescendo. Mas, nem sempre as letras foram compreendidas, daí nasceu a idéia de registrar cada letra no livro, para que elas sejam valorizadas, divulgadas e entendidas. Em 196 páginas, o livro reúne as letras, fotografias, cartazes dos shows, matérias de jornais e textos escritos por Cannibal e Marcus Assbar, traçando a história de formação do grupo. O livro ainda revela letras que foram escritas no início da banda, mas nunca foram gravadas.


Confira a entrevista com Cannibal que conta sua trajetória e revela suas expectativas:


Do que se trata Música para o povo que não ouve? Por qual motivo o livro tem esse nome?


Cannibal: Se trata de todas as composições que fiz para Devotos desde de 1988, mais algumas escritas que não entraram em nenhum disco. O motivo de fazer o livro, foi que muitas pessoas musicalmente ecléticas, me abordavam e diziam: Eu gostei da sua música, mas não entendo nada que você diz!(risos) é notório que no rock o instrumental é muito forte e pesado para quem não é acostumado, todo aquele peso dificulta uma pessoa que não está acostumada a assimilar o que está se cantando. Devotos até que não é muito difícil de entender, tem bandas muito mais inaudíveis. Também já escutei pessoas me falarem  que tal letra mudou sua visão de vida, e começou a curtir mais a banda. E depois de 30 anos resolvi fazer esse livro e alertar que a maioria das bandas de rock principalmente no estilo mais pesado, tem tema social como prioridade na sua música.


 


Depois de tantos anos de carreira, conquistas e superações, o que esse livro representa?  


Cannibal: Esse livro representa muito pra mim, estou expondo para outro público meu ponto de vista através das minhas letras, pessoas que não curtem nosso estilo vão ler e quem sabe vão começar a ouvir e se ligar que dentro daquele furacão sonoro tem algo que te chama a atenção e quando você descobre isso seus ouvidos ficam mais aguçados para assimilar as palavras dentro daquela massa sonora.


Como você observa a cena musical atual? Principalmente a música social vinda da periferia?


Cannibal: A música social vinda da periferia eu vejo cada vez mais forte, a diferença é que não estão nas grandes mídias, não se tem um rótulo como movimento mangue, movimento armorial, tropicália e etc. O rock ainda é muito forte nas periferias, mas pelas dificuldades financeiras de se fazer eventos e o descaso das secretarias de cultura que não apoiam pequenos eventos nas comunidades esse estilo é muito difícil de ser difundido. O rap é outro estilo de música que tem uma temática social muito forte nas suas letras, têm menos dificuldade para fazer eventos por precisar do mínimo de equipamento para ser realizado, hoje em dia tem uma frequência maior que o rock nas periferias, ambos são sinônimo de transformação social através da música e resistência cultural.


Qual a diferença das bandas do gênero nos anos 90 para as atuais? existe alguma semelhança? ou o processo foi evoluindo de forma diferente?


Cannibal: A diferença daquela época para hoje, é a tecnologia que não tínhamos, sendo assim você tinha mais dificuldade para gravar, difundir sua música e etc. Por outro lado, quem tinha um objetivo uma ideologia (ideologia, essa palavra ainda existe?) para se expressar através da música, tirava leite de pedra, mas não desistia dos seus sonhos. A dificuldade que não se tem hoje tornava o trabalho mais exigente em termos de qualidade e principalmente originalidade. Na minha opinião, a tecnologia ajuda muito e não vejo vivermos sem ela hoje em dia, mas culturalmente falando tivemos um retrocesso muito grande na qualidade. Ai é quando entra o rock, o rap, o reggae que não estão nas grandes mídias, mas você pode pesquisar nas mídias digitais.


Suas letras são voltadas para temas sociais, mas especificamente, que questionamentos estão presentes nas letras?


Cannibal: Desigualdade social, preconceito, racismo, intolerância... Falo do cotidiano, no começo eu era muito pontual nas minhas letras, sempre falava do que estava acontecendo no momento e sempre com um tom de revolta e ódio pelo descaso de políticas públicas na minha comunidade. Carlos Freitas, um amigo dono de uma loja de disco chamada Discossauros nos anos 90, me falou: Você tem umas letras massa, mas deveria escrever mais com esperança, auto estima e motivação! Fiquei pensando e comecei a compor com um tom que temos que reivindicar, mas temos também que fazer não só esperar que façam mesmo sendo obrigação deles. Então escrevi: Eu tenho pressa de vencer/eu tenho pressa de vingar/vencer para me suceder/vingar pra me  realizar/vivendo assim eu vou morrer/vivendo assim eu vou matar/eu tenho pressa de vencer/eu tenho pressa de vingar. Lutamos com força e coragem e conseguimos/os tempos mudaram, mudou o hino/não há mais guerra, não há mais fome, religião/as crianças hoje brincam e são a luz da salvação. Eu vim aqui mesmo sem planos/estou aqui não sei porquê/me ajude a ser humano/não quero me perder/não quero falar dos meus sonhos/não quero pedir para viver/me ajude a ser humano/não quero me perder. Até hoje é assim, falo do cotidiano que vivo.


Entre tantos lançamentos, Qual o disco considerado mais marcante?


Cannibal: O disco mais marcante para mim é o primeiro quando a banda ainda se chamava Devotos do ódio o Agora ta valendo. Eu tenho em mim que qualquer tipo de arte que você faz e é exibida pela primeira vez aquilo é puro, mágico, inocente, apaixonante, sem pensar no que vai acontecer. Depois disso, tudo pode ser feito da mesma forma, mas vai ser pensado se vão gostar, se vai ser sucesso, etc... etc... e etc. Bom ou ruim a primeira vez é sempre marcante em qualquer sentido.


Fazendo uma música diferente oriunda da periferia, cercada de distintos estilos e formas inusitadas de produzir sons, muitos preconceitos o cercaram, baculejos policiais, racismo...Como vocês lidaram com esses preconceitos? Eles ainda são presentes? 


Cannibal: O preconceito sempre vai existir, as formas de serem praticados são diferentes... Hoje temos um certo respeito pelo que conquistamos através da nossa música, então esse preconceito vem camuflado em forma de elogio e etc. Lidar com isso não é fácil, mas te garanto que nossos fãs nos ajudam muito com depoimentos nas nossas redes sociais e a boa troca de energia nos shows. A renovação da cena local também é um bom combustível.  A alguns anos atrás fazíamos um evento no aqui no Alto José do Pinho e uma das bandas convidadas se chamava “Eu o declaro meu inimigo” eu adorei o nome e ao terminar o evento fui pra casa e escrevi uma música inspirada, essa música é o primeiro clipe do novo disco da Devotos que se chama “O fim que nunca acaba” o clipe teve a colaboração de 127 animadores e foi produzido por Marcos Buccini. Quando tentarem acabar com seus sonhos, lute cada vez mais forte para alcançar seus objetivos, a primeira pessoa que tem que acreditar que aquilo vai da certo é você mesmo!!


Que mensagem você deixa para quem sonha seguir carreira musical?   


Cannibal: Não procure os melhores músicos, procure as melhores pessoas!!! Devotos só é o que é porque eu tenho dois irmãos na banda, Celo e Neilton. Tudo que passamos para vocês através da banda Devotos aprendemos juntos. Identidade cultural é tudo, sem isso você é só mais um!!!


Quais as expectativas para o lançamento do livro?


Cannibal: Não tenho idéia... Na verdade estou muito nervoso, não é minha praia. (risos)Mas gosto de sair um pouco da zona de conforto, isso abre meus horizontes, me faz viver e conhecer pessoas e outro tipo de difusão cultural. Fiz isso quando compus para a banda Café Preto (minha banda paralela inspirada na cultura jamaicana), que formei em 2012, a banda propositalmente não tem nada a ver com a banda Devotos, e as sensações são as mesmas do dia do lançamento do primeiro disco da Café Preto, bastante ansioso.


E acrescenta:


Cannibal: "Descubram os ritmos hardcore, extremo, crossover e etc através das suas letras, tenho certeza que vocês vão ter outras opiniões sobre esses estilos musicais depois que lê-las, e mesmo sem curtir vai saber que dentro daquele furacão sonoro tem poesia."


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